Perguntas e respostas

Perguntas/Respostas frequentes

Para permitir ao público uma melhor compreensão sobre a intenção legislativa do Regime Jurídico da Intercepção e Protecção de Comunicações da RAEM, faz-se publicar, durante o período de consulta, a colectânea de perguntas/respostas frequentes, que serão mantidas actualizadas com acrescentamentos necessários.

O vigente regime das escutas telefónicas é regulado pelo Código de Processo Penal e vigora há mais de 20 anos. Ao longo desses anos, o desenvolvimento e popularização das tecnologias de comunicações destes anos marcaram mudanças radicais nas formas de comunicação, as chamadas tradicionais de voz por telefone têm sido utilizadas cada vez menos, enquanto as chamadas de voz através da internet, bem como as formas de comunicação escrita, com som, símbolos, imagens ou vídeo, tornaram-se o fluxo principal, com incidência na nova realidade da actuação criminosa, pelo que a revisão do regime das escutas telefónicas se torna, de facto, urgente, necessária e racional. Pelo que, sugere-se que seja elaborado o “Regime Jurídico da Intercepção e Protecção de Comunicações”, que visa aperfeiçoar o vigente regime das escutas telefónicas, de modo a que possa responder às necessidades que surgem com o avançar do tempo.

A intercepção de comunicações é um meio de obtenção de prova que consiste na intercepção do conteúdo de comunicações com recurso às telecomunicações, efectuada pelo órgão de polícia criminal no processo penal mediante a ordem ou autorização prévia do juiz.

Em virtude de a elaboração do presente Regime Jurídico da Intercepção e Protecção de Comunicações não ser a criação de um novo regime, mas apenas um aperfeiçoamento do regime das escutas telefónicas que se encontra regulado no Código de Processo Penal vigente, e sem prejuízo dos domínios de protecção inerentes, iremos manter, no Regime Jurídico da Intercepção e Protecção de Comunicações, os fundamentais domínios de protecção respeitantes ao regime existente, nos seguintes termos:

  1. A intercepção de comunicações só pode ser efectuada mediante a ordem ou autorização prévia do juiz;
  2. A intercepção de comunicações só pode ser efectuada se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova quanto a crimes especificados;
  3. Nos termos da lei, todos os requisitos e condições são estabelecidos, sob pena de nulidade;
  4. É proibida a intercepção de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime;
  5. Da intercepção de comunicações é lavrado auto, do qual, junto com os respectivos dados adquiridos, é informado o juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações;
  6. No caso de o juiz considerar os elementos recolhidos relevantes para a prova, ordena que se juntem ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição. Todos os participantes nas operações ficam vinculados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento;
  7. O arguido, o assistente bem como as pessoas sujeitas à intercepção de comunicações têm o direito de examinar o auto.

O documento de consulta sugere que a intercepção de comunicações seja aplicável aos crimes:

  1. Puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos;
  2. Relativos ao tráfico de estupefacientes;
  3. Relativos a armas proibidas, ou a engenhos ou matérias explosivos ou análogos;
  4. De injúrias, de ameaças, de coacção, de violação de domicílio, e de intromissão na vida privada, quando cometidos através de telecomunicações;
  5. Relativos à criminalidade organizada;
  6. Relativos ao branqueamento de capitais;
  7. Relativos ao terrorismo;
  8. Relativos ao tráfico de pessoas;
  9. Contra a defesa da segurança do Estado;
  10. Informáticos.

Para além de manter o conteúdo de protecção existente no vigente regime das escutas telefónicas, sugere-se, no âmbito penal, o acrescentamento de novas disposições no documento de consulta, de protecção que incidem para que os actos irregulares (como a intercepção de comunicações sem ordem ou autorização do juiz, violação do dever de sigilo, utilização indevida das informações obtidas pela intercepção) incorram em responsabilidade penal, considerando-os crime público. Os autores de tais actos irregulares são responsabilizados pelos crimes específicos de forma a melhor salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos.

É sugerido no documento de consulta que a intercepção de comunicações sem ordem ou autorização do juiz, a violação do dever de sigilo e a utilização indevida das informações obtidas pela intercepção incorrem em responsabilidade penal, considerando-os crime público.

Se algum dos actos for cometido por uma pessoa singular, esta será punida com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Se for uma pessoa colectiva, sugere-se que esta seja punida com pena de multa no que diz respeito à pena principal e que possa ser acompanhada de penas acessórias, sendo a multa para a pena principal de 100 dias a 1.000 dias, num valor diário entre 500 patacas e 20.000 patacas. As penas acessórias são a privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por serviços ou entidades públicos, a publicação da sentença condenatória, entre outras.

Segundo o sugerido no documento de consulta, os “operadores de telecomunicações” ou “prestadores de serviços de comunicações em rede” têm os deveres de colaboração e de conservação. Quanto ao dever de colaboração, os “operadores de telecomunicações” ou “prestadores de serviços de comunicações em rede” têm de prestar a colaboração e o apoio técnico necessários à entidade competente, não podendo recusar ou demorar, sem razão legítima, o cumprimento das ordens determinadas. Quanto ao dever de conservação, os “operadores de telecomunicações” ou “prestadores de serviços de comunicações em rede” devem conservar, durante 1 ano, na RAEM, os registos de comunicação (não incluindo o conteúdo das comunicações) produzidos pela utilização dos seus serviços na RAEM. Durante o período de conservação, os “operadores de telecomunicações” e os “prestadores de serviços de comunicações em rede” devem garantir a segurança e o sigilo desses dados.

O estabelecimento do dever de colaboração deve-se a que a execução das ordens da intercepção de comunicações só pode ser eficazmente concretizada mediante a obtenção da colaboração dos “operadores de telecomunicações” e “prestadores de serviços de comunicações em rede”. Daí que se estabeleça, para o efeito, o dever de colaboração, tais como, a prestação, nos termos da lei ou ordens legais das autoridades, da colaboração, apoio e informações necessárias, sem demora, aos tribunais, magistrados do Ministério Público e agentes de investigação que exercem funções policiais na aplicação dessas medidas. Estabelece-se, por seu turno, o dever de conservação porque a investigação criminal é efectuada forçosamente com base em factos ocorridos. Portanto, para os órgãos policiais criminais, são muito importantes as informações relativas ao passado, como números de telefone, tempo das comunicações etc., sendo assim necessário estabelecer o dever de conservação, isto é, devem ser conservados os registos das comunicações (como por exemplo, entre outros dados, números de telefone, tempo das comunicações, não incluindo o conteúdo das comunicações) durante um determinado prazo, com vista a garantir a realização eficaz do trabalho da investigação criminal.

Não podem, absolutamente, a execução de escutas e intercepção das comunicações de forma arbitrária incorre em responsabilidade penal.

Seja o vigente regime das escutas telefónicas previsto no CPP, seja o regime da intercepção das comunicações proposto, é aplicável exclusivamente aos crimes previstos na lei, os órgãos de polícia criminal podem realizar as escutas telefónicas e a intercepção das comunicações só quando são preenchidos os requisitos e condições legais e mediante a autorização do juiz.

Em caso do incumprimento dos requisitos, são nulas as provas obtidas por meio das escutas telefónicas e intercepção das comunicações, poder-se-á ainda incorrer na responsabilidade penal e disciplinar.

O regime proposto é um dos vários métodos de obtenção de provas legais. A tal medida é aplicada meramente quanto aos crimes graves ou crimes especificados previstos na lei, em concreto, a autorização pelo juiz só é emitida depois deste ter ponderado o Princípio de necessidade e o Princípio de intervenção mínima. Portanto, mesmo que sejam crimes aos quais é aplicável esta lei, se as suas circunstâncias sejam consideradas não graves e não haja necessidade concreta, o juiz não autorizará a execução desta.

Não existe. A intercepção das comunicações observa totalmente as disposições vigentes de apreciação e de autorização que regulamentam as escutas telefónicas, a precisar, a medida só pode ser efectuada mediante a ordem e autorização do juiz. Não existem casos excepcionais que acontecem em outras jurisdições, ou seja, a autorização feita por órgãos administrativos ou autorização prévia pelo MP em urgência. Mantemos desde sempre uma apreciação e autorização judicial mais rigorosa e ao nível mais alto, evidencia-se assim no regime a prevenção da possibilidade de abuso da medida visando proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.

De acordo com o artigo 173.º do CPP, se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, fá-los juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento. No futuro Regime Jurídico da Intercepção e Protecção de Comunicações irão observar-se totalmente as referidas disposições.

O vigente regime das escutas telefónicas não regulamenta o período máximo do prazo para a execução da medida. Para que as disposições sejam mais explícitas, propõe-se, no documento de consulta, a estipulação de um prazo para a intercepção das comunicações, que deve ser efectuada por um período máximo de três meses (cabe ao juiz decidir o número concreto dos dias conforme casos e necessidade prática de investigação), que pode ser renovado, mediante pedido submetido ao juiz, desde que os requisitos para a realização dessa intercepção continuem a existir, não podendo cada renovação exceder o período máximo de três meses.

Na prática, é lavrado nos termos da lei, pelos órgãos de polícia criminal, até ao fim do prazo concedido pelo juiz, um auto onde constam as informações ou provas obtidas através da intercepção, o qual, junto com o processo e elementos, é levado à apreciação do magistrado do MP responsável. Desde que os requisitos para a realização dessa intercepção continuem a existir, o pedido irá ser entregue para apreciação ao juiz de instrução criminal mediante despacho do magistrado do MP, para que seja permitida a renovação da execução da medida.

A par disso, devido aos diferentes tipos de crime e à divergência na complexidade de cada caso, o documento de consulta não regulamenta as limitações quanto ao número de renovações.

Importa frisar que quando os órgãos de polícia criminal ou o MP consideram ter recolhido provas suficientes, mesmo antes de terminar o prazo concedido, irão, por sua iniciativa, adoptar outras acções ou ordenar a adopção de acções e de outras medidas de investigação, para que cesse a intercepção.

Relativamente ao actual processo de escutas telefónicas, após recebidas as informações relativas ao crime ou a denúncia, o órgão de polícia criminal deve imediatamente entregá-las ao MP para iniciar formalmente a investigação e instaurar juridicamente o processo criminal. O MP é responsável por dirigir o processo de investigação, enquanto que o órgão de polícia criminal é encarregado de coadjuvar no trabalho da investigação, portanto, no processo de investigação dos crimes aos quais aplica-se a escuta telefónica, se o órgão de polícia criminal considerar que as medidas gerais de investigação não conseguem ou têm dificuldade em obter os resultados esperados, bem como achar que as escutas telefónicas “se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova”, o mesmo irá produzir um relatório detalhado de acordo com as necessidades do caso concreto e entregar os autos, juntos com o relatório, ao magistrado do MP que dirige a investigação para requerer a execução da medida de escuta telefónica.

Após a apreciação do relatório feito pelo órgão de polícia criminal e a revisão das informações constantes nos autos, se o magistrado do MP considerar que o requerimento corresponde às disposições do direito processual penal (que incluem mas não se limitam às disposições do artigo 172.º do Código de Processo Penal, porque, por um lado, o MP necessita de fiscalizar a legalidade de todo o procedimento, por outro lado, o magistrado do MP tem de apreciar se corresponde ao princípio da intervenção mínima, ou seja, apreciar se outras medidas da investigação ou métodos de recolha de provas conseguem descobrir a verdade ou recolher provas de forma eficaz), o mesmo irá, por despacho, entregar os autos ao juiz de instrução criminal, que oficiosamente, com base na apreciação do magistrado do MP, avaliará de novo se o requerimento satisfaz as disposições legais para a execução da escuta telefónica e os relativos princípios (isto é, os princípios fundamentais do processo penal, tais como o princípio de legalidade, o princípio de proporcionalidade e adequação, bem como os princípios extra que devem ser cumpridos no âmbito das escutas telefónicas: o princípio da fragmentariedade, o princípio de necessidade e o princípio da intervenção mínima). Se houver todos os requisitos legais, o juiz de instrução criminal irá autorizar ou ordenar a execução da escuta telefónica durante um prazo determinado e relativo a alvos específicos.

Antes do termo do prazo concedido pelo juiz de instrução criminal, o órgão de polícia criminal elabora, nos termos legais, um auto indicando os elementos ou provas descobertos através das escutas telefónicas no prazo concedido, e remete-o juntamente com o processo integral e os elementos, para o magistrado do MP responsável para ser apreciado. Caso considerar a existência de pressupostos para a execução da escuta telefónica, ou de a continuar, o magistrado do MP remete, mediante despacho, todos os referidos elementos ao juiz de instrução criminal para que decida se vai continuar a execução das escutas telefónicas.

Durante o período de realização das escutas telefónicas, se o órgão de polícia criminal ou o Ministério Público considerar que há provas suficientes, irá, por iniciativa própria, entrar em acção ou ordenar a entrada em acção e a adopção de outras medidas de investigação, entretanto entregará, nos termos da lei, as provas recolhidas juntamente com os elementos relativos às escutas, ao juiz de instrução criminal para uma apreciação oficiosa, ou procederá a outros actos processuais, como por exemplo, o primeiro interrogatório judicial.

Em contrapartida, se no decorrer das escutas telefónicas, o órgão de polícia criminal ou o Ministério Público considerar a inexistência do facto criminoso ou a inexistência de vínculo ao pressuposto para a realização de escutas telefónicas (tais como, mudanças no tipo de crime, o crime foi consumado ou a natureza do crime é diferente do estabelecido), irá tomar a iniciativa de entregar o pedido ou de apresentar, mediante despacho, a sugestão de cessação das escutas, ao Juiz de instrução criminal.

Por razões históricas, o regime jurídico de processo penal da RAEM e o de Portugal são muito semelhantes e fazem parte igualmente do sistema jurídico romano-germânico, pelo que a proposta do Regime Jurídico da Intercepção e Protecção de Comunicações de Macau é elaborada tomando como referência algumas disposições do regime pertinente de Portugal, tendo em vista proceder à alteração, sem tornar as leis inconciliáveis, do vigente regime das escutas telefónicas previsto no Código de Processo Penal.

O novo Regime proposto para Macau e o vigente em Portugal são, comparando a nível internacional, regimes bastante rigorosos e têm muitas características comuns, nomeadamente: as duas jurisdições mantêm o mecanismo de dupla protecção: apreciação e aprovação efectuadas por magistrados do MP e juízes, garantindo que a intercepção das comunicações só possa ser autorizada por juízes; ambos estipulam que essa medida só se aplica nos crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos e aos demais crimes específicos, o que se harmoniza com os critérios estritos a nível internacional; para além disso, relativamente às matérias como o prazo de duração da intercepção, o prazo para a entrega pelo órgão de polícia criminal ao juiz dos elementos recolhidos, o direito a examinar os autos das pessoas sujeitas à intercepção e outros indivíduos relevantes, a disposição relativa à extensão e a nulidade das provas ilegalmente obtidas, as disposições das duas jurisdições são aproximadamente iguais.